Num futebol em que a mídia e os patrocinadores estão cada vez mais concentrados nos grandes clubes como Barcelona, Real Madrid, Bayern de Munique, Manchester United, Arsenal, PSG, Manchester City, Liverpool e Chelsea, entre outros, muito pouco – para não dizer quase nada – sobra para os demais clubes de médio e pequeno portes que se encontram nas principais divisões que compõem a elite do futebol mundial.
Se a divisão do bolo – mídia e patrocínio – já é desigual na elite, o que dizer em relação aos clubes que não estão na elite de seus países? A desigualdade é ainda maior – tratando-se, na verdade, de dimensões distintas.
Diante de um cenário tão cruel para quem não é o alvo principal do mercado, resta a tais clubes tentar se reinventar de todas as formas possíveis, com o objetivo de se destacar no meio da multidão.
Nesse contexto, um pequeno clube alemão se destaca em relação aos demais: o FC St. Pauli.
O Fußball-Club St Pauli von 1910 e.V., popularmente conhecido como St. Pauli, é um clube de futebol alemão oficialmente fundado no ano de 1910, em um distrito de Hamburgo, a segunda maior cidade da Alemanha, por um grupo de entusiastas do futebol.
A trajetória esportiva do St. Pauli está longe de ser um sucesso. Após anos disputando as divisões de acesso do futebol alemão sem muito destaque, o clube venceu a então segunda divisão do campeonato alemão na temporada 76/77 – a Bundesliga North – e assegurou a promoção à 1.Bundesliga pela primeira vez em sua história. A aventura na principal divisão do futebol alemão, no entanto, durou pouco, uma vez que o St. Pauli foi rebaixado ao final da temporada 77/78.
Após terminar a temporada 78/79 – a de retorno à segunda divisão – em sexto, problemas financeiros fizeram com que o clube tivesse negada a licença para disputar a temporada seguinte, sendo, consequentemente, obrigado a jogar a terceira divisão – Oberliga North.
Apesar das dificuldades financeiras e de ter de recomeçar da terceira divisão, o St. Pauli se reergueu e, depois de uma ótima temporada 87/88, retornou à elite do futebol Alemão. A segunda incursão do St. Pauli pela 1.Bundesliga durou três temporadas- após um 10º lugar em 88/89 e um 13º em 89/90, o clube foi rebaixado em 90/91, após terminar em 16º e perder o playoff de acesso/rebaixamento para o Stuttgarter Kickers.
O St. Pauli voltou a disputar a 1.Bundesliga em 95/96 – manteve-se na temporada de retorno, mas foi rebaixado em 96/97; em 2001/2002 (rebaixado após fechar a temporada em 18º e último lugar; e em 2010/2011 (relegado depois de novamente terminar em último).
Disputando a 2.Bundesliga desde a temporada 2011/2012, o St. Pauli se consolidou no segundo nível do futebol alemão e de lá parece que não sairá tão cedo.
Mas como é que um clube com poucas aparições na elite do futebol alemão e praticamente sem conquistas para se vangloriar, tornou-se um fenômeno no mundo do futebol? A resposta é ‘identidade’.
O St. Pauli foi capaz de desenvolver uma identidade própria – quase que única – em relação aos demais clubes alemães ao abertamente se declarar como um clube antifascista, defensor de todas as identidades de gênero e politicamente de esquerda.
O nascimento dessa identidade particular, apesar de incerta, tem relação com a região em que o clube está situado, Reeperbahn, the red light district de Hamburgo, um local conhecido pela prostituição, casas noturnas, discotecas, entre outros estabelecimentos para entretenimento adulto noturno. O clube foi, portanto, influenciado por esse caldeirão cultural, especialmente a partir dos anos 80, quando a área de Reeperbahn foi revitalizada, passando a ser frequentada por um público mais jovem – estudantes e artistas –, com maior grau de cultural e ideologicamente identificados mais à esquerda.
Essa transformação cultural pela qual passava Reeperbahn chegou às arquibancadas do Millerntor-Stadion, a casa do St. Pauli, por meio de torcedores que passaram a exibir mensagens antifascistas, antirracistas e contra grandes corporações.
Além das manifestações contra o fascismo e o racismo, a torcida começou a se manifestar a favor de pautas humanitárias, dentre as quais se destaca a igualdade social e o respeito a todos os gêneros.
A direção do clube, percebendo a tendência da torcida, incorporou tais pautas à identidade do St. Pauli, o que pôde ser visto inicialmente no Millerntor-Stadium, com a exposição de mensagens antifascistas e, na sequência, na forma de se comunicar do clube, que passou a se manifestar abertamente pelos valores defendidos pela torcida – patrocinando, por exemplo campanhas contra a homofobia. Por fim, a identidade adotada pelo St. Pauli chegou ao ponto de as pautas defendidas pelo clube serem incorporadas aos uniformes, como, por exemplo, pela exposição das cores que representam o movimento LGBTQI+.
A incorporação dessas pautas fez com que o St. Pauli desenvolvesse uma identidade única, que se tornou uma marca inconfundível tanto no futebol alemão quanto no futebol mundial.
Somam-se às pautas defendias pelo clube outros dois pontos que potencializam a distinta identidade do St. Pauli: as cores e o símbolo adotado pela torcida.
Ao adotar a pouco comum combinação entre marrom e branco, o St. Pauli pavimentou o caminho para criar uma identidade visual incomum e capaz de fazer com que o clube pudesse ser facilmente identificado tanto em campo, quanto nas mais variadas formas de comunicação. O mesmo racional se aplica à caveira e aos ossos cruzados – culturalmente ligado aos piratas –, símbolo adotado pela torcida e que foi incorporado à identidade do St. Pauli.
Com exceção das cores, que foram escolhidas pelos fundadores do clube, os demais elementos que formam a atual identidade do St. Pauli são frutos das mudanças socais que atingiram a região de Reeperbahn, as quais, por sua vez, influenciaram a torcida do clube.
Esse aspecto da formação da identidade do St. Pauli mostra a importância de se ter um corpo diretivo atento e disposto a ouvir a voz da torcida e, com inteligência, incorporar o que é ecoado nas arquibancadas à imagem do clube.
O desenvolvimento dessa identidade única elevou o status do St. Pauli a um clube de futebol cult, que se põe contra o establishment dominante e defensor das minorias e dos mais desfavorecidos – um verdadeiro símbolo da resistência –, dando, consequentemente, grande visibilidade a uma agremiação com poucos títulos e de escassas participações na 1.Bundesliga.
Para se ter a exata medida do sucesso do St. Pauli ao trabalhar sua identidade, a marca do clube foi, em 2015, melhor avaliada do que a de outras equipes alemãs com mais títulos, dinheiro, relevância e torcida. Não é à toa que o St. Pauli, possuidor de uma marca mais valiosa, pôde celebrar contratos de patrocínio que, em tese, superam os de um clube sem grandes conquistas, como é o caso do acordo celebrado com a norte-americana Under Armour para fornecer materiais esportivos - a parceria tem gerado uniformes únicos e criativos, e que contam com a inserção de detalhes que reforçam as pautas defendidas pelo clube. O valor da marca também permitiu ao St. Pauli celebrar uma parceria com a Levi’s, para produção de uma linha de roupas, e com a Jack Daniel’s, famosa destilaria norte-americana.
Apesar de tímido sucesso esportivo, é inegável que o St. Pauli tem colhido frutos comerciais pelo desenvolvimento e exploração de sua inconfundível identidade, a qual tem permitido ao pequeno clube de Hamburgo se destacar em um oceano repleto de ferozes tubarões.
A lição a ser aprendida é a de que a estratégia do St. Pauli pode – deve – ser utilizada por clubes de pequeno e médio portes que buscam consolidar uma identidade que possivelmente já existe no meio da torcida, bastando à direção observar o comportamento dos torcedores e ouvir o que é entoado nas arquibancadas, com o objetivo de incorporar tais elementos às suas imagens para, futuramente, agregar valor às suas marcas.
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