O moderno e bilionário mundo do futebol faz com que esqueçamos de que um clube apenas é o que é por causa de seus apaixonados e abnegados torcedores, que fazem de tudo pela agremiação que apoiam incondicionalmente.
Isso porque foram os mesmos torcedores que, movidos pela paixão pelo futebol, decidiram num dado momento do passado se reunir para fundar o clube, batizando-o, escolhendo as suas cores e o seu escudo, bem como os valores defendidos. A história e a tradição de um clube representam a concretização da vontade de seus torcedores, tratando-se de um movimento social.
É justo, portanto, dizer que um clube de futebol é – ainda que não materialmente – de seus torcedores, motivo pelo qual precisam ser respeitados por quem dita os rumos do clube.
Apesar dessa aparente inquestionável lógica, há inúmeros casos em que o novo comando de um clube resolve jogar no lixo a história construída durante décadas e, contra a vontade dos torcedores, basicamente transformar a agremiação em uma nova, mudando nome, cores, escudo e até de cidade.
Essa é a história do Wimbledon Football Club, fundado em 1889 no sudoeste de Londres como Wimbledon Old Central Football Club – o nome foi inspirado na Old Central School localizada em Wimbledon Common. Em 1905, os adeptos do clube decidiram retirar o Old Central do nome, que passando a ser apenas Wimbledon Football Club.
Depois de um breve período de inatividade provocado por problemas financeiros, o Wimbledon voltou à ativa em 1911, passando a atuar em diversos campos em Wimbledon Common e nas demais localidades da região, até se instalar definitivamente no ano 1912 em Plough Lane, seu campo durante praticamente 80 (oitenta) anos.
O Wimbledon se manteve como um clube amador ou semiprofissional até a temporada 1977/1978, quando foi aceito pela Football League, o nível profissional do futebol inglês, após vencer a Southern League em três oportunidades – 74/75, 75/76 e 76/77.
A partir do momento que o Wimbledon iniciou sua trajetória no nível da Football League, a escalada do pequeno clube do sudoeste de Londres foi meteórica. Em apenas nove anos o Wimbledon saiu da quarta divisão para a primeira, estreando no nível mais alto do futebol inglês na temporada 1986/1987 com um surpreende e impressionante sexto lugar na classificação final.
Quando a sexta colocação na estreia da primeira divisão parecia ser o limite para o até pouco tempo amador clube londrino, o Wimbledon alcançou um feito praticamente inimaginável na temporada seguinte. Comandado por Vinnie Jones – sim, o ator – o time do Wimbledon, apelidado de “The Crazy Gang”, não apenas chegou à final da FA Cup, competição mais antiga de futebol do mundo, mas venceu o torneio ao derrotar por 1 a 0 o todo poderoso Liverpool em uma partida que ficou notabilizada pela primeira defesa de pênalti numa final de Copa da Inglaterra – Dave Beasant foi o responsável pelo feito. Simplesmente inacreditável! De quebra, o clube terminou a temporada do campeonato inglês na sétima colocação.
Nas temporadas seguintes o Wimbledon se consolidou na primeira divisão inglesa, só que sem jamais repetir o sucesso da temporada 1987/1988, a do título da FA Cup. Apesar de consolidado, o clube começou a perde o fôlego até ser rebaixado à segunda divisão ao final da temporada 1999/2000. Coincidentemente, o Wimbledon foi rebaixado tanto por perder a partida contra o Southampton quanto pela derrota do Liverpool, seu adversário na surpreendente final da Copa da Inglaterra, para o Bradford City, rival do pequeno clube londrino na luta contra o descenso.
O rebaixamento do clube fez com que a direção do Wimbledon começasse a avaliar uma mudança do sudoeste de Londres para a cidade de Milton Keynes. Com a aprovação da mudança pela Football League e pela Football Association, o corpo diretivo anunciou em 2002 que o clube de fato mudaria para Milton Keynes, o que enfureceu a maior parte de seus torcedores.
Além da realocação, o clube mudaria de nome – passaria a se chamar Milton Keynes Dons Football Club ou simplesmente MK Dons – cor e escudo, em uma verdadeira afronta à história do Wimbledon e um desrespeito aos devotos torcedores do clube.
É evidente que tamanha afronta e descaracterização da história do clube não passariam impunes.
Imediatamente após a decisão de realocar o clube, os fanáticos torcedores do Wimbledon Football Club, que teve a sua trajetória iniciada no longínquo ano de 1889, fundaram, em 30 de maio de 2002, o AFC Wimbledon, mesmo sabendo de todas as dificuldades que essa decisão impunha – o novo clube iniciaria sua jornada a partir da nona divisão inglesa.
Ostentando as mesmas cores e um escudo similar ao do antigo clube, o AFC Wimbledon, apoiado por sua torcida e com o mesmo ímpeto que o conduziu do amadorismo ao profissionalismo em 1977/1978, iniciou a sua escalada das divisões amadoras do futebol na temporada 2002/2003, e os resultados são impressionantes.
O AFC Wimbledon saiu da nona divisão e em nove anos chegou à Football League, estreando na League Two – quarta divisão – em 2011/2012. Após um período de estabilização na League Two, o clube foi promovido para a League One em 2016, e nela se encontra até o momento.
Os feitos impressionantes do AFC Wimbledon não se limitam a ascender do amadorismo ao profissionalismo em menos de uma década – ainda mais em um futebol movido quase que exclusivamente pelo dinheiro. A organização e obstinação dos torcedores em conduzir o Wimbledon ao topo do futebol inglês fizeram com que eles buscassem retornar à antiga casa: Plough Lane.
A antiga casa do Wimbledon havia sido abandonada em 1991, em decorrência das novas exigências da Football Association – e do próprio governo inglês –, após a tragédia de Hillsborough. Desde então o clube passou a jogar na casa alheia, como, por exemplo, ao dividir o Selhurst Park com o Crystal Palace, ou em Kingsmeadow, a principal casa do AFC Wimbledon.
O nomadismo, no entanto, está perto do fim. Em 2017, o clube viabilizou a construção de um estádio em Plough Lane, em um terreno perto de seu antigo campo. A conclusão das obras do New Plough Lane está prevista para o final de 2020, o que representa a concretização de um sonho que não foi capaz de ser colocado em prática pela direção do antigo Wimbledon Football Club: a construção de um estádio adequado em Plough Lane.
Os feitos do AFC Wimbledon mostram que um clube de futebol pode atingir feitos incríveis se contar com o apoio incondicional de uma torcida disposta a se entregar de corpo e alma em prol da organização de seu clube.
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