Começo de temporada em qualquer esporte é assim: Novos jogadores, novas esperanças de título e também novos uniformes. Talvez não nessa sequência, mas nesta nova temporada do futebol europeu, iniciada há uma semana, o último assunto que tomou conta das discussões entre torcedores e fãs do esporte foram as camisas que serão usadas pelos clubes ao longo de todo o ano de competições nacionais e internacionais.
A discussão foi em torno dos torcedores realmente torcendo, mas neste caso torcendo o nariz para os novos modelos de camisas lançados pelos times. Questionou-se a extravagância, marginalização da rivalidade, a falta de tradição dos novos modelos e até mesmo se os designers tinham ficado malucos.
Apesar da leva de camisas realmente diferentes, a verdade é que nenhum designer ficou louco. Todas as camisas tem seus porquês e, no final das contas, estão alinhadas ao que os torcedores mais prezam e seus clubes têm de mais importante, sim: A história. Mas as novas camisas vão além. Os modelos estão alinhados também a moda. Já faz tempo, é verdade, mas os últimos anos serviram de amostra para entender de uma vez a intersecção entre esporte e moda.
Se buscarmos por uma definição, podemos dizer que moda é o conjunto de gostos ou costumes expressados ciclicamente, entre outras formas, pelo modo de se vestir e comportar de um grupo de pessoas. Assim, podemos afirmar também que toda pessoa segue um comportamento e se veste influenciando ou sendo influenciada por outras. E que todo movimento cultural influencia a moda e vice-versa.
Sabendo disso, é natural que o esporte como um mercado de consumo altamente movimentado seja impactado pelas novas tendências da moda, que se manifesta principalmente através dos designs de peças e identidade dos clubes.
O design esportivo tem como missão concatenar a identidade e os valores de uma marca. Sua história, folclore, paixão e laços emocionais entre torcida e seu time do coração, transmitindo isso através de vários meios que podem e devem ser usados para representar a identidade de um clube. Dentre várias ferramentas, poucas têm tanto impacto e prestígio assim como causa diferentes emoções quanto o uniforme. É seguro dizer até que as camisas são os objetos mais valiosos e com maior responsabilidade de representar e tornar o torcedor representado e pertencente a um grupo, tornando tangível algo impossível de se ter nas mãos: a paixão. É bem verdade que essa é uma missão difícil de ser realizada, afinal, mesmo ligados por um amor em comum, as torcidas e os amantes do futebol são grupos heterogêneos e têm gostos diferentes entre si.
Deixando de lado o feio e o bonito - até porque beleza é uma questão muito pessoal, vamos driblar o senso comum e a paixão tradicionalista do torcedor e nos perguntar: O que tem a ver a camisa de um clube com o design e o mercado da moda?
Basicamente, essas três coisas tem tudo a ver. Há muito tempo camisas de futebol deixaram de ser simples produtos vendidos ao torcedor local para serem peças de vestuário usadas em passeios do dia a dia ou até compromissos sociais mais formais. Dessa forma, vestuários licenciados dos clubes tornaram-se fontes sustentáveis de receita que atendem torcedores de outras cidades, estados e países, ou mesmo aqueles que não são torcedores do clube mas tem simpatia e seguem as atividades do time como no caso de grandes clubes europeus que têm suas marcas internacionalizadas.
A partir dessa consolidação das marcas de clubes como produtos desejados temos a intersecção do esporte com outros mercados como o da moda, por exemplo, e as novas camisas lançadas recentemente por Arsenal, Manchester United, RB Leipzig, Liverpool e Manchester City, entre outros, deixa isso muito claro. Todas elas têm em comum a busca pela valorização dos atributos e história do time como forma de homenagear o clube e também criar desejo, pertencimento e necessidade pelo consumo, isso tudo adaptando-se às formas como esses objetos são consumidos fora do esporte.
Podemos classificar todos os grandes lançamentos recentes de camisas do futebol europeu em três estratégias.
Camisas de futebol x Sneakers: O cruzamento cultural do futebol e da moda
Falando primeiro das equipes associadas a Nike, não é novidade que a cultura e mercado sneaker tem forte influência no consumo de moda. Responsável por uma receita prevista em 2020 de mais de US76 bilhões no mundo, segundo a Forbes, o segmento dos sneakers conversa com diversas parcelas de consumidores, e a proposta da Nike com as novas camisas de seus clubes é justamente unir este setor com o mercado de camisas de futebol.
Parte das equipes que tem material esportivo fornecido pela gigante americana tiveram seus terceiros uniformes inspirados e fazem conjunto com um modelo Air Max, uma das linhas de tênis mais famosas e conceituadas da Nike.
Segundo o Vice-Presidente de Football Apparel da Nike, Scott Munson, a linha Air Max junto com a cultura de camisas de futebol é o mais novo híbrido entre streetwear e os esportes.
Alinhar-se à moda sem esquecer a história e valores do clube
A Adidas segue a mesma linha reforçando aproximação com o mercado streetwear, mas mantendo referências às histórias, tradições e valores dos clubes e seus locais de origem.
Uma das mais comentadas, a nova terceira camisa do Arsenal traz referência aos mármores dos halls do Highbury, antigo e lendário estádio onde a equipe disputou seus jogos de 1913 a 2005.
Os novos modelos de RB Leipzig e Wolverhampton trazem clara menção e inspiração na arte urbana, usando inclusive como modelos estrelas locais como o produtor musical local S-X, o skatista Henry Fox e o lutador do UFC Jai Herbert.
Também inspirado na arte local, a Juventus voltou a tradição de suas listras verticais mas quebrou o conservadorismo utilizando uma releitura das mesmas, buscando remeter à expressão espontânea e imprevisível que a arte e o futebol tem em comum.
Se feio não é tendência, ser tradicional e ousado certamente é. E o Manchester United mostra isso com a camisa que mais repercutiu entre os torcedores.
A terceira camisa dos Red Devils traz a cor branca com listras zebradas em zigue-zague que, como a própria campanha diz, “hackeia, redesenha e moderniza” a peça fazendo homenagem aos uniformes listrados da equipe, usados ao longo de sua história.
Reconhecimento e valorização das origens e cultura
É o que faz a Puma com um de seus principais clubes no mundo, o Manchester City, nos uniformes da equipe para a temporada 2020/21.
Pertencentes a linha “Crafted by Culture” (livremente traduzido como Construído pela Cultura), os três uniformes dos Citizens trazem homenagens a arte e cultura de Manchester, com referências ao passado, presente e futuro da cidade.
A valorização da cultura e símbolos locais também foi aplicada também no Brasil na criação do terceiro uniforme do Internacional. A camisa laranja fora dos padrões de cor do clube e que assustou um pouco os torcedores faz referência ao pôr do sol no rio que beira o estádio de nome auto explicativo, o Beira-Rio.
Por fim, em 2019 a Federação Italiana de Futebol deu uma aula de modernização ao lançar a terceira camisa na cor verde sem deixar de ressaltar os valores e história da Seleção Italiana. Nosso professor do curso Mkt no Futebol Online e mago do design e branding, Glauco Diógenes, detalhou toda a construção e elementos do manto italiano no vídeo a seguir em seu canal no YouTube.
Quando falamos dos clubes europeus estamos muito mais próximos da realidade de internacionalização das marcas dos times, e os novos designs escolhidos para os uniformes refletem isso buscando por uma aproximação com aspectos e laços emocionais entre clube e torcedor.
Hoje, com um mercado de consumo altamente globalizado, entra em jogo também a aproximação com mercados internacionais, altamente consumidores e que passam a representar um novo potencial de receita, como o mercado asiático, em especial a China.
É a partir daqui que começamos a falar sobre tendência cultural e de moda e como ela impacta o esporte, tema que dedicaremos uma postagem exclusiva.
PARCEIROS