12/11/18

O EQUILÍBRIO DO BRASILEIRÃO E A GERAÇÃO DE RECEITAS

“O Brasileirão é o campeonato mais difícil do mundo”. Com certeza, o leitor já ouviu essa frase ser proferida por diversas vezes por jogadores, treinadores e dirigentes em busca de valorizar resultados ou justificar deslizes. Porém, como averiguar se a frase acima é verdadeira ou apenas bravata?

A análise da dificuldade ou facilidade de um determinado campeonato é uma questão bastante subjetiva. Entretanto, é possível analisar com dados a competitividade e, consequentemente, a incerteza dos resultados de um campeonato por meio de algumas métricas, dentre elas, o valor de mercado dos elencos participantes da competição.

Em termos gerais, o mercado do futebol é bastante eficiente em analisar o talento e determinar o valor de mercado de jogadores por meio do desempenho desportivo (atual e projetado). É importante ressaltar que há uma diferença entre valor de compra e valor de mercado, sendo o valor de compra o valor de fato desembolsado para aquisição dos direitos federativos de um dado jogador ao passo que o valor de mercado corresponde ao valor esperado pela venda em um determinado momento.

Dessa forma, é intuitivo dizer que quanto mais valioso o elenco de um clube, maior a tendência a um desempenho desportivo melhor e que quanto maior a discrepância entre os valores de elenco, menos competitiva é uma competição. Os gráficos abaixo mostram os valores de mercado dos elencos dos 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro (outubro/2018), assim como a correlação entre os valores de mercado e a pontuação obtida.

 

 

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Transfermarkt

                                                                                                  

                                                                                               Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Transfermarkt

 

Dos gráficos acima, é possível perceber como a questão teórica colocada acima aplica-se na prática ao Campeonato Brasileiro da Série A. Destaca-se que há um pequeno fator de retroalimentação entre o desempenho e o valor de mercado, mas, de maneira geral, os maiores valores de mercado são obtidos pelos times que mais investem em seus elencos.

Após essa breve explanação, volta-se a questão inicial de verificar a dificuldade, ou melhor colocado, a competitividade do Campeonato Brasileiro frente a outras ligas no mundo. Como foi dito anteriormente, temos algumas métricas para analisar essa questão e nesse texto utilizaremos o Índice de Gini. Em suma, o Índice de Gini é utilizado para calcular a desigualdade na distribuição de renda – 0 representa total igualdade de renda e 1 representa total desigualdade de renda – e é amplamente utilizado para comparar os níveis de desigualdade entre diversos países do mundo.

Esse estudo toma emprestado o conceito e analisa como o talento, por meio do valor de mercado, está distrubuído entre os diversos integrantes de uma competição. Para tal, capturou-se o valor de mercado dos elencos dos clubes das 15 principais ligas mundiais e comparou-se a desigualdade entre os clubes de uma competição por meio do Índice de Gini.

O gráfico abaixo mostra a aplicação da métrica aos campeonatos nacionais de Brasil e Espanha:

                                                                                                       

 

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Transfermarkt

 

Do gráfico acima percebe-se que o Campeoanto Espanhol é mais desigual e, por consequência, menos acirrado do que o Campeonato Brasileiro. Em uma análise mais alargada, temos:

 

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Transfermarkt

Dentre as competições analisadas, o Brasil apenas fica atrás de México e Estados Unidos em relação ao equilíbrio entre os elencos em disputa no campeonato. Na outra ponta, Espanha, Holanda e Portugal possuem as maiores desigualdades entre os participantes. Dessa forma, não surpreende os placares elásticos que ocorrem frequentemente nessas competições.

Obviamente, grande parte da desigualdade reside na capacidade de geração de receitas e investimento dos clubes. Por sua vez, para além de fatores relacionados à capacidade de gestão, a geração de receitas está relacionada ao tamanho do mercado do clube (regional, nacional, continental ou global) e parte da explicação para a menor desigualdade entre os clubes brasileiros encontra campo nesse aspecto.

As principais ligas europeias, nomeadamente Inglaterra, Espanha, Itália, França e Alemanha, possuem desde times regionais até times globais, ou seja, abrangem desde clubes capazes de ter como campo de influência e geração de receita apenas uma cidade ou região dentro de um país até marcas com poder para levantar receitas em nível global. Dessa forma, quando um time global compete com um regional, a desigualdade é enorme.

Por outro lado, ainda não temos no Brasil clubes capazes de gerar receitas em nível global (na verdade, as receitas comerciais dos nossos clubes são fracas até em nível continental), ou seja, temos no máximo times regionais (por exemplo, Ceará, Vitória e Paraná) competindo contra clubes nacionais (por exemplo, Flamengo, Palmeiras e São Paulo), achatando a diferença e diminuindo a desigualdade. Assim sendo, mesmo que o Paraná (menos valioso do Brasileirão) possua apenas 18% do valor do elenco do Palmeiras, a diferença poderia ser ainda maior caso o clube paulista obtivesse receitas globais por meio da sua marca. Como comparação, o elenco menos valioso de La Liga (Valladolid) possui apenas 3% do valor do elenco do mais valioso (Barcelona).

Como conclusão, pode-se dizer que se por um lado o Brasil não possui os melhores jogadores e clubes do mundo, por outro possui um campeonato muito mais competitivo e equilibrado que a maioria das demais ligas de referência mundial. Por fim, fica uma questão: dado que há uma tendência de consolidação no futebol brasileiro, seleção natural de uma indústria cada vez mais inserida na lógica capitalista, o quão confortável o leitor fica com a possibilidade de ascensão desses clubes a outro patamar (continental ou global) e a diminuição da competitivide da principal competição nacional, deixando-a cada vez mais restrita a poucos emblemas?

Bruno Duarte é Mestrando em Gestão do Desporto na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa.

Graduado em Administração pela Universidade de São Paulo com atuação nas áreas de Inteligência de Mercado, Planejamento Estratégico e Gestão de Projetos.

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