04/06/19

Identidade e cultura esportiva

Na semana passada o Flamengo mais uma vez foi destaque no meio do futebol com a saída de Abel Braga do comando e a contratação do português Jorge Jesus como substituto. O trabalho de Abel em 2019 tinha mais críticas do que elogios e a pressão estava ficando insustentável, como foi possível perceber no jogo contra o Athlético, mesmo com a virada improvável no final da partida.

 

Tenho emitido opiniões regulares sobre a necessidade das organizações esportivas trabalharem sua identidade e, consequentemente, a identificação do torcedor com seu time. Por não trabalharem corretamente essa identidade, acabam contratando jogadores e treinadores que não são identificados com os atributos dos times e, como consequência, o imediatismo pelos resultados acaba queimando qualquer tipo de trabalho, pois o foco fica apenas no resultado, sem se importar com a forma, sem que tenha uma relação cognitiva / afetiva do torcedor pelo treinador, jogadores e estilo de jogo.

 

Todos os times possuem uma identidade e, devido a ela, um grupo de pessoas se identificam com esse time baseado nas influências dos familiares, da região/cidade, jogadores, treinadores, presidentes, feitos históricos, número de conquistas, o estádio onde jogam, as causas que a organização esportiva defende entre outros.

 

Esses fatores geram uma série de atributos que criam uma identidade única de cada organização. Caso os gestores consigam definir claramente esses atributos, toda a comunicação do time será baseada nesses atributos, por exemplo: cores, design do uniforme, modelo de jogo, além de buscar parceiros comerciais com congruência de atributos que possam se apropriar mutuamente.

 

O Barcelona possui no seu estatuto a obrigação de sempre jogar de forma técnica, artística. Dessa forma jogadores e treinadores que não possuem esses atributos dificilmente jogarão no time catalão. Os catalães valorizam e se identificam com esses atributos, e o Barcelona entende muito bem isso.

 

O Atlético de Bilbao não aceita atletas não nascidos, não desenvolvidos ou não descendentes no País Basco. O time basco é uma bandeira para a região e jogar com atletas bascos é a sua identidade. Torcedores de muitos times europeus enchem seus estádios, consomem produtos e serviços devido a essa identidade bem trabalhada pelas organizações esportivas.

 

Nos times do futebol brasileiro esses atributos podem ser percebidos. Prestigiar jogadores da base é aceito pela torcida do Santos. Flamengo e Corinthians, devido grande parte da sua torcida vir de classes sociais mais baixas, possuem como identidade as vitórias na superação, na garra, pois grande parte da sua torcida se identifica com esses atributos. Torcedores dos times do Grêmio e Internacional valorizam treinadores e jogadores de força. Os torcedores do Palmeiras valorizam times mais técnicos.

 

O torcedor sempre gostou que a seleção brasileira levasse a campo os atributos que nos identificamos como o drible, o improviso, jogadores e jogadas plásticas, ganhando e convencendo. Uma forma de mostrar no futebol que o Brasil é superior aos demais países. Não é à toa que reverenciamos até hoje a seleção de 1982 quase no mesmo nível da seleção de 1970, pois foram times que mais próximos ficaram desses atributos que nos identificam com escola futebolística.

 

Como os times não trabalham claramente seus atributos e também devido a muitos times necessitarem de conquistas, treinadores e jogadores são contratados e demitidos no mesmo ritmo devido à busca incessante por resultados, não importando a forma.

 

No post do Leonardo Miranda sobre a conquista da Champions League pelo Liverpool, ele menciona que, diferentemente dos gestores brasileiros, na Europa os gestores têm uma noção de passado, presente e futuro. “Perder um jogo em casa para um time pequeno não é avaliado sem contar todo o trabalho feito. O trabalho não é só no campo, mas em conjunto com o departamento de análise de desempenho e com o marketing, ditando o estilo de jogo que a torcida mais se identifica. No Brasil o jogo é sempre maior que o todo. No Liverpool, o "todo" de Klopp é maior que o jogo”.(Veja no texto do globoesporte)

 

Corroborando com a informação acima, o Cesar Grafietti menciona algo que eu também tenho comentado há anos, a função do Diretor Técnico (DT). “O que caracteriza o bom trabalho de um DT é a capacidade de montar um lego, que começa por entender a cultura esportiva do clube, passa pela escolha do treinador que melhor se encaixa nesta cultura. Esse trabalho de entender a cultura da organização vem com pesquisas e análises com os torcedores e com a história do clube, que lhe permite traçar um perfil claro de quem buscar”.( link para noangulo)

 

Entender quais são os atributos, validar esses atributos com a base de torcedores, criar uma comunicação clara baseado nessa identidade única é função do departamento de marketing de qualquer organização esportiva visando criar sua proposta única de valor para os torcedores, patrocinadores, mídia e os demais stakeholders.

 

Com base nesses atributos toda a comunicação deve ser fundamentada, incluindo o modelo de jogo que deve ser implementado, sem contar seu posicionamento no mercado e como atrair empresas com congruência de atributos. Caso contrário, veremos situações como a que vimos no Flamengo se repetir seguidamente.

Marcelo Paciello - Apaixonado por gestão e marketing esportivo. Mais de 10 anos como gestor de negócios, mestre e pesquisador em Gestão do Esporte especializado em marketing esportivo.


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