21/08/18

FINAL DA LIBERTADORES: E AGORA, JOSÉ?

O último dia 14 de agosto foi marcado pelo anúncio por parte da Conmebol sobre a final da Copa Libertadores de 2019 em jogo único – novidade para a próxima edição do torneio. A cidade de Santiago (Chile) venceu a disputa contra Montevidéu (Uruguai) e Lima (Perú) e terá a honra de ser a primeira cidade-sede no novo formato de final que se estenderá até, pelo menos, 2022.

As decisões obedeceram ao objetivo estratégico de potencializar o desenvolvimento esportivo do futebol sul-americano, mediante maiores recursos, mais investimentos e melhores padrões em todos os níveis. Além de gerarem mais receitas para serem reinvestidas, as finais únicas serão uma grande oportunidade, para toda a América do Sul, de dar um grande salto de infraestrutura, organização de eventos, controle de segurança, comodidade nos estádios, na promoção regional e mundial de nossos torneios - disse o presidente da Conmebol, Alejandro Domínguez.

Logo após o anúncio, a maioria dos torcedores e dos comentaristas esportivos se posicionaram contra a mudança com argumentos que envolviam desde a cultura esportiva do continente até aspectos mais tangíveis como exclusão dos torcedores mais pobres do evento, logística e poder aquisitivo da população sul-americana para a realização de viagens em comparação com a europeia. Apesar de os argumentos serem bastante válidos, uma passada pelas redes sociais sinalizava que muito do posicionamento contra a mudança estava baseada em saudosismo e medo de mudança.

Particularmente, não faria tal mudança agora por julgar que há outros aspectos no futebol sul-americano que precisam ser alinhados antes, como, por exemplo, sincronização dos calendários do continente tanto em termos internos como externos – principalmente com a Europa. Porém, a decisão não é de todo um absurdo e o teste é válido pois há grande potencial de ganhos conforme exposto no trecho supracitado do presidente da Conmebol.

Uma vez que a mudança está decidida, não cabe mais aos clubes espaço para reclamações e saudosismos. É fundamental que os principais clubes do país comecem a traçar estratégias para obter o máximo do evento tanto em termos financeiros quanto de relacionamento com torcedores.

O primeiro fator de crítica é a cultura esportiva sul-americana não comporta este tipo de evento. Apesar de ser um ponto bastante sensível na hora da tomada de decisão, devemos lembrar que qualquer cultura é algo em constante mudança e influenciada pelos fatores. Há algumas décadas os campeonatos estaduais eram tão ou mais valorizados que os campeonatos nacionais ou continentais, entretanto, as diversas mudanças que ocorreram no futebol e no mundo fizeram com que atualmente a sua importância seja diminuta. Da mesma forma, daqui a alguns anos a final em jogo único pode ser algo que esteja arraigado na nossa cultura futebolística.

Em relação à exclusão dos torcedores mais pobres, infelizmente já é uma realidade no nosso futebol e a final em jogo único talvez agrave um pouco a situação, mas é apenas uma pequena parte de um processo em consolidação. Como referência, segue abaixo o público, renda e ticket médio das últimas finais envolvendo times brasileiros:

Ano

Jogo

Renda
(R$)

Público
Pagante

Ticket
Médio

2017

Grêmio x Lanús

6 526 427

51 256

127

2013

Atlético-MG x Olímpia

14 176 146

56 557

251

2012

Corinthians x Boca Juniors

2 580 913

37 959

68

2011

Santos x Penarol

4 226 670

37 984

111

 

Destaca-se que os valores de Corinthians e Santos são em jogos no Pacaembú. Provavelmente, uma final de Libertadores com o Corinthians jogando na Arena Corinthians teria valores muito mais elevados. Ou seja, assistir uma final de Libertadores no formato atual já é caro pra maioria das pessoas e a final em jogo único apenas alavancará esse cenário, mas não é o originador dele.

Ainda tratando do tema exclusão dos torcedores mais pobres, os clubes poderiam realizar um evento paralelo em seus próprios estádios cobrando preços módicos ou alimentos não perecíveis. Em uma situação dessas, o próprio clube e as marcas associadas a ele poderiam utilizar o evento para ativações de patrocínio, estreitando as relações entre essas e os torcedores. Dado que a final acontecerá em um sábado, pode-se ter um evento de duração prolongada que maximize as possibilidades de interação com as empresas presentes.

Por fim, as questões referentes à logística e ao poder aquisitivo da população são os mais difíceis de superar, mas é necessário que os clubes trabalhem também nessas frentes pois é fundamental que haja uma grande massa de torcedores in loco apoiando o time, reforçando o “clima de estádio” e gerando ganho esportivo. Como possibilidades, pode-se tentar a realização de parcerias com empresas aéreas, bancos ou operadoras de turismo para a viabilização das viagens. Dado que hoje a grande maioria dos clubes da Série A do Campeonato Brasileiro são patrocinados por empresas do setor financeiro, não parece difícil acionar o patrocinador e abrir uma linha de crédito facilitado para sócios-torcedores de clubes que participem da final da competição.

Uma das principais preocupações para o sucesso da final em jogo único é o tratamento que o evento receberá por parte dos organizadores. Tradicionalmente, a final da UEFA Champions League é o último jogo da temporada e há um espaço de cerca de três semanas e a final, fundamental para gerar buzz em cima do evento, assim como para possibilitar o arranjo logístico das equipes e torcedores e permitir que os patrocinadores trabalhem por mais tempo com o evento e a expectativa dele. Uma vez que o nosso calendário é cheio (com o agravante de ser ano de Copa América) e mal arranjado, é possível que tenhamos um espaço mais curto de preparação pra final e tenhamos ainda outros jogos para finalizar a temporada nos campeonatos nacionais, o que tira um pouco o aspecto de “cereja no bolo” da temporada da final e coloca em risco parte do potencial da final como evento.

Portanto, apesar de algumas críticas à decisão de realizar a final da Copa Libertadores em jogo único serem cabíveis, não há mais espaço pra reclamação por parte dos clubes já que a decisão está tomada. Além disso, apesar de alguns problemas como elitização – que não são culpa exclusiva do novo modelo adotado – e cultura do torcedor, os clubes devem buscar alternativas e parcerias para envolver no evento, mesmo que à distância, os mais diversos tipos de torcedores, permitindo um ambiente para que as empresas associadas ao clube se envolvam no processo, o que estreitará os laços entre as marcas, os clubes e os torcedores.

Bruno Duarte é Mestrando em Gestão do Desporto na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa.

Graduado em Administração pela Universidade de São Paulo com atuação nas áreas de Inteligência de Mercado, Planejamento Estratégico e Gestão de Projetos.

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